"A poesia é também uma forma de filosofar, de tentar compreender o movimento da vida, dar-lhe algum sentido, traduzir-lhe para os outros seres, usando mais o sentimento do que a razão. Os ingredientes dessa arte de profundidade filosófica provêm das experimentações das situações que a própria vida fornece, tantas vezes, independente de nossas escolhas. E a tradução é sempre acompanhada de beleza, de leveza, porque não se prende a nenhum proprietário. A poesia se doa a todo aquele que se reconhece e se apropria daquilo que percebe nos seus versos. Está sempre em estado de transformação, sempre interagindo, sempre sendo traduzida segundo a emoção e o conteúdo interno daquele que lê, no momento em que lê. A poesia está sempre viva!"

Sônia Arruda

novembro 08, 2008

Pedra Jóia

por Sônia Arruda


Certo dia, foi num mês de outubro
Senti um incômodo dentro
Como um pinicar ou uma coceirinha
(mas tenho de dizer que era gostosa)
Tentei não dar muita atenção
Num outro dia, essa sensação veio mais forte
E não mais pude ignora-la
Procurei a fonte, mexi, revirei
Virei do avesso as entranhas de mina
E vi uma pedrinha, promessa de jóia



Essa pedrinha era diferente
Não posso te falar da cor
Tinha nenhuma ou todas as cores
Ah! E um brilho intenso
Cegou meus olhos não adaptados à sua luz
E piscava como uma pedra-vagalume
Virei a cabeça e fechei os olhos
Mas seus brilhos continuavam,
Por debaixo das pálpebras
Insistentes a me convidar
Para mais uma olhadinha, só uma
Que mal havia, afinal?



E também te digo
Que essa pedra não era decifrável
Não trazia palavras que meu dicionário
Conhecesse e traduzisse
Talvez eu fosse mais pobre de significados
Do que pensava, aspirante de poeta
Que se sentiu desarmada para expressar
Mas o desejo de vê-la inteira, de pega-la nas mãos
E de abrigá-la pertinho do coração
Não me largava
Ela ia comigo, me seguia, me acompanhava
(ou sua imagem, seu brilho, sua promessa)
Aonde quer que eu fosse
Preenchendo os momentos vazios e os cheios também
E me chamava com sua luz piscante
E seu silêncio de pedra bruta

E lá fui eu, arrastada pela correnteza do meu desejo
De garimpeira curiosa
(mas havia mais do que curiosidade)
E, a princípio, desarmada,
Usei os olhos, agora já fascinados, preso à tal luz
Usei as mãos que não conseguiram lhe desgrudar da terra
Os dedos sangraram e o coração também
E quando a dor vem a gente pensa em desistir
Ainda mais quando há outras tantas pedras
Cujo nome já sei de cor (de todas elas)
E também já sei que cores têm e o arranjo bonito
Que posso fazer com elas
Não oferecem perigo

Não consegui, de novo, resistir a promessa
De pedra que era também vaga-lume e também uma jóia
Tinha todas as possibilidades de ser
De enfeitar meu colo, meus dedos, minha vida
Mas não seria fácil trazê-la à tona
Precisava de algum esforço, ou muito
Precisaria de alguma ferramenta?
Tentei, então, usar outra forma para revelar
O que a pontinha aparente de brilho me anunciava
De uma martelada (talvez duas,...)
Mas, minhas mãos inexperientes em tratar
Dessa estranha que me habitava
Porque eu ainda não a conhecia
Machucou a superfície de pedra-jóia
E mais machucada fiquei de ser inábil
De quase destruir a possibilidade de jóia
Que trazia nos seus arranjos de cristal
Percebi que, por mais forte, tal um diamante,
Ao menor golpe inadequado, esse tesouro se partiria
Irremediável, para sempre
Junto da esperança de alcançá-la
E com ela o desejo que já movia
Absoluto, todos os meus pensamentos
De garimpeira de palavras, de sonhos
Agora, de pedras quase jóias

Então, veio uma idéia, não da cabeça
Essa já tinha me dado umas pouco úteis
Outras... Verdadeiro desastre
Essa veio do coração ou de um lugar onde
Moram os sonhos e os desejos de felicidade
O que fiz? Fiquei ali, olhando,
Me acostumando ao brilho que não mais ofuscava os olhos,
Só trazia uma onda quente de calor gostoso
Que me revitalizava e me fazia ter sonos bons
E me fez produzir tantas jóias belas com as outras pedrinhas
Que o caminho me mostrava
Enquanto aquela, me aguardava e eu a aguardava
Para nos olharmos e conversarmos sem palavras
Para nos contemplarmos e ficarmos cheios de admiração
Até que um dia eu falei um nome
Não sei porque mas só atendi ao som que brotou
De algum lugar de mim ou foi o eco da pedra?
Esse nome foi Amor
E esse nome, foi como um chamado
Para minha jóia se mostrar mais um pouquinho
Cada dia mais linda, mais brilhosa
Com mais calor e recheada de possibilidades
De vir a ser tudo o que o meu amor
Quisesse... Desejasse... Fizesse...

Agora já sei que não é mais um estanho corpo
Dentro do meu corpo
É parte de mim, que não adivinhava
Que talvez quisesse mas não sabia existir
Que não pude dar um nome até que ele viesse do eco
Interno da pedra bruta que tenho e sou
Que começa a derreter a terra em volta que lhe prendia
E se mostrar a cada dia mais inteira
Bela, resistente e preciosa
Garimpada e lapidada com carinho e cuidado
Pra adornar a vida do meu Amor


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